A arte de se cuidar

Quem sou eu? Do que sou capaz? Você já se fez estas perguntas? Se sim, então seja bem vindo ao nosso blog...aqui vamos trocar ideias de autoconceito, de amor próprio e encontrar formas de enfrentar o sofrimento cotidiano...fique à vontade!

A MISSÃO do NAC

A Missão do NAC é:
Desenvolver assessoria, reflexões, oficinas e projetos de cuidado e de formação que promova a integração de pessoas, empresas e comunidades no regaste da missão, dignidade e da cidadania, contribuindo para diminuição da exclusão.





nucleodeaprimoramentoecuidado@gmail.com





quarta-feira, 11 de maio de 2011

A TERAPIA COMUNITÁRIA SISTÊMICA INTEGRATIVA (TCI) como ferramenta para o tratamento da alexitimia.




(Texto de Maria Cristina Bergonzoni Stefanini e Mari Elaine Leonel Teixeira. O artigo completo foi publicado no livro TERAPIA COMUNITÁRIA: Tecendo redes para a transformação social, saúde, educação e políticas públicas - Organização de Marilene Grandesso e Miriam Rivalta Barreto, 2007).



A década de 90 foi considerada a década do cérebro. O cérebro entendido com um sistema, como um hardware, passou a ser escrutinado e pesquisado como a base biológica da cognição.
Mais recentemente o cérebro foi identificado também como a base biológica das emoções. É o que afirma o neurologista e neurobiólogo António Damásio sustentando que nossos juízos intelectuais e morais são determinados, para além da lógica interna do cérebro, pelas emoções que experimentamos. Como compreender que uma pessoa disponha de um bom quociente intelectual, mas seja incapaz de tomar decisões sensatas para organizar sua trajetória, a longo prazo, sua carreira ou sua vida familiar. Isso indica o papel central das emoções na tomada de decisão, domínio de expressão por excelência do juízo, da inteligência e da deliberação. Assim, há uma inteligência das emoções. Diz Damásio que as emoções não representam, como pensava Descartes, o lado obscuro do espírito humano, mas, ao contrário, nos ajudam a tomar boas decisões.
A ideia de que determinadas emoções podem inundar as células cerebrais de hormônios e neurotransmissores que permitem controlar a resposta diante de situações difíceis é um dos pilares da biopsicologia, um termo usado por cientistas para definir o estudo científico da biologia do comportamento e processos mentais. Refere- se ao intricado relacionamento entre psicologia e biologia, que é chamado de medicina corpo-mente ou psiconeuroimunologia. É a confirmação do que diz a neurologista Candace Pert citada por Susan Andrews: cada mudança de humor é acompanhada por uma cachoeira de “moléculas de emoção”- hormônios e neurotransmissores – que flui através do corpo, afetando todas as células. Cada célula humana contém cerca de 1 milhão de receptores para receber essas substâncias bioquímicas. Assim quando estamos tristes, nosso fígado está triste, nossa pele está triste e assim por diante, ou seja, todos os órgãos podem entrar no mesmo estado de tristeza. Mas o contrário também é verdadeiro.
Daniel Goleman, professor da Universidade Harvard, nos Estados Unidos foi quem desenvolveu o conceito de inteligência emocional. Ele diz que nosso cérebro emocional foi desenhado para ajudar o indivíduo a sobreviver no meio ambiente primitivo da Pré-história. Mas continua funcionando da mesmíssima maneira no mundo moderno extremamente complexo, o que pode nos levar a desequilíbrios. Se as nossas emoções fogem ao nosso controle, nós nos tornamos incapazes de analisar as informações corretamente e até mesmo de responder a elas com eficiência. Por isso o controle sobre os sentimentos é mais importante hoje do que em qualquer outra época.
A inteligência emocional é um aprendizado permanente. Assim, até uma criança com sérios problemas de relacionamento pode superá-lo e chegar a idade adulta com um alto grau de empatia, ou seja, capaz de entender os sentimentos alheios e de expressar os seus próprios.
É ainda Damásio que indica existir uma diferença entre emoção e sentimento. Na linguagem corrente, os dois termos são considerados sinônimos, o que mostra uma estreita conexão que os une, porém definidos de maneira mais precisa uma emoção é um conjunto de reações corporais a certos estímulos. Quando temos medo, o ritmo cardíaco se acelera, a boca seca, a pele empalidece e os músculos se contraem – reações automáticas e inconscientes. Os sentimentos, por sua vez, surgem quando tomamos consciência destas emoções corporais, no momento em que estas são transferidas para certas zonas do cérebro onde são codificadas sob a forma de uma atividade neuronal. Então as modificações fisiológicas fazem com que reconheçamos isso como medo, ou outro estado qualquer. Um estado emocional é uma espécie de “mapa pessoal” gerado a partir de nossas experiências. Os sentimentos surgiriam de uma leitura de mapas em que estão marcadas as alterações emocionais, são como reproduções instantâneas de nosso estado corporal. Assim registrado, um sentimento correspondente a um mapa pode ser reavivado “do interior”, em certa medida, sem a intervenção do corpo. É quando nos lembramos de um episódio agradável e sentimos de novo a mesma emoção ou evocamos um episódio desagradável e sentimos uma emoção desconfortável ou uma reação idêntica a que expressamos na ocasião.
Então concluímos que, para sentir algo, nós precisamos do cérebro e para “nos liberarmos” de coisas desagradáveis também precisamos dele. A consciência de si é construída a partir da imagem do corpo, que decorre das marcas deixadas nele pelas sensações (frio, calor etc...) e emoções (agradáveis ou desagradáveis). Com isso elaboramos uma imagem de nosso corpo e de suas reações em função de constrangimentos externos. Essa imagem é cerebral e pode ir se repetindo ou se impondo em todo novo acontecimento.
Os seres humanos desenvolveram uma consciência de si porque o corpo precisa verificar sempre se o seu equilíbrio (homeostase) está sendo respeitado. O cérebro deve receber informações atualizadas sobre o estado do corpo a fim de regular os mecanismos vitais. Diante de um perigo, o corpo reage por meio de um conjunto de reações fisiológicas, que o cérebro converte em atividade neuronal. É preciso aceder à atividade neuronal e tomar consciência dela para agir.
Para o organismo, é a única maneira de sobreviver num meio em perpétua mudança. As emoções, sem sentimentos conscientes, não bastam para promover um real equilíbrio do corpo e da mente.
As pesquisas sobre as emoções e o funcionamento cerebral ainda são escassas. Mas se no futuro existirão medicamentos que agirão sobre sistemas celulares ou moleculares que intervêm nas emoções, hoje eles ainda não estão disponíveis. O que a ciência faz é investigar como o cérebro lida com esse fluxo constante de sinais emocionais e ao indivíduo cabe buscar a consciência deste mesmo fluxo em si.
Se as emoções são também funções cerebrais como o raciocínio e a memória, podemos esperar encontrar indivíduos que pensam e raciocinam de maneira comum tanto quanto indivíduos cujas emoções se expressam também de maneira comum, ou podemos encontrar indivíduos cujas funções lógicas estejam comprometidas (por exemplo, os indivíduos que sofreram lesões cerebrais, sejam elas quais forem) ou indivíduos cujas funções emocionais revelam-se insuficientes ou comprometidas. É o caso da alexitimia.
A alexitimia está sendo descrita como um transtorno que indica a incapacidade de identificar as próprias emoções. As emoções estão presentes na forma de sensações (sinais físicos e/ou comportamento), mas é como se a pessoa não pudesse tomar consciência delas, nem expressá-las. Numa situação tensa demais, essas pessoas caem em lágrimas ou explodem em cóleras, única expressão de que são capazes. Eram identificados como pessoas sem senso de humor, taciturnas.
Segundo Berthoz, quem sofre de alexitimia tem dificuldade em estabelecer laços, em identificar-se com que os interlocutores sentem, em perceber quais reações seu discurso provoca nelas.
Essas pessoas têm pouca capacidade para sondar os próprios estados afetivos e fogem das ocasiões em que algum aspecto seu possa ser reconhecido, isto é, fogem de relações pessoais com pessoas mais seguras ou autocentradas e das psicoterapias ou discussões em grupo. São em geral identificados como pessoas sem senso de humor, taciturnas, hipocondríacas, e acusados de não terem criatividade e flexibilidade, mas é comum encontrar hoje também indivíduos aparentemente alegres e extrovertidos como uma forma de encobrimento dessa dificuldade.
Um estudo realizado para investigar as características da atividade cerebral dessas pessoas, a equipe da Dra Berthoz identificou anomalias em uma zona responsável pela comunicação entre a área das emoções e a zona cerebral que toma conhecimento dessas emoções, analisa-as e exprime-as.
A falta de “mentalização” das emoções é a dificuldade encontrada por alguém que é alexitímico. É a dificuldade de “leitura” dos mapas pessoais construídos a partir das sensações corporais. Uma espécie de “dislexia emocional”.
A origem dessa dificuldade pode ser buscada na infância, quando a criança começa a conhecer o mundo a partir de suas experiências corporais. A presença dos pais ou adultos é importante para ir ajudando a criança a identificar o que está sentindo, nomear e organizar essas experiências em mapas mentais para associá-los a outras experiências no futuro. Isso se faz através da comunicação e da palavra. Por exemplo, quando a criança chora, a mãe logo diz: Ah! Você está com fome? Quando um adolescente tem uma crise de raiva, o adulto pode ajudá-lo a identificar o que está na origem daquela atitude.
Este método corresponde ao mesmo trajeto cortical. No cérebro a informação passa dos centros de percepção das emoções que é o sistema límbico, localizado na região mais antiga e profunda do cérebro, aos centros de categorização, de reflexão, de linguagem e de percepção auditiva, situados no córtex, a parte externa do cérebro. (Vale lembrar que o córtex é o que nos distingue dos animais. É a parte mais elaborada do sistema nervoso central, onde se processam as atividades corticais superiores como andar, falar e pensar). As trocas entre mãe e filho são fundamentais para a criação de um bom “banco de emoções”, isto é, um vasto repertório de sensações associadas a palavras ou a pensamentos. Se, por um motivo qualquer, como depressão, fragilidade emocional, imaturidade, carência afetiva e cultural, os pais ou os adultos que cuidam da criança (berçarista ou inspetores nos ambientes de internato), não dão um número suficiente de indicações verbais para as emoções que as crianças sentem, elas podem ficar com um déficit de palavras, refletindo carência de sentimentos identificados. Quando adultos é provável que se refiram constantemente às suas sensações corporais sem conseguir passar ao plano dos estados mentais do corte e da linguagem, como diz Berthoz.
Como são identificadas as pessoas com esse transtorno? A equipe do Instituto Montsouris (Paris) observa a atividade cerebral de pessoas submetidas a imagens que provocam reações positivas ou negativas. Antes disso solicitam que as pessoas respondam a um questionário contendo questões como: você costuma soltar a imaginação? Quando se vê diante de um problema de relacionamento, você o evita? Você tem a impressão de que deveria falar mais sobre o que sente?
Os resultados dos questionários revelam que os alexitímicos têm uma pontuação muito baixa e o desenho de suas atividades cerebrais é diferente, ativando áreas mais primitivas do cérebro.
Ainda não se sabe como aparece essa disfunção apresentada no giro do cíngulo que tem um papel importante na tomada de consciência das próprias emoções, servindo de ponte entre o sistema límbico e o córtex cerebral. Há um excesso de conexões inúteis bloqueados no giro do cíngulo.
Supõe-se que os alexitímicos sejam destituídos de um canal de comunicação entre estas conexões do giro do cíngulo e o córtex, porque esse canal não foi construído pelas conexões neurais na idade infantil.
Hoje é consenso entre os psiquiatras que emoções não expressas verbalmente terminariam aflorando em forma de sintomas físicos.
Embora não possamos identificar dentre as pessoas que participam da Terapia Comunitária Sistêmica Integrativa (TCI), aqueles que possuem alexitimia, podemos observar a grande dificuldade que essas pessoas têm para exprimirem o que sentem através da linguagem.
Dizem os neurologistas que as terapias clássicas não funcionam para os alexítimicos. O que funciona são as terapias em grupo que estimulam a construção de um repertório de estados mentais identificados e ampliados. A TERAPIA COMUNITÁRIA SISTÊMICA INTEGRATIVA (TCI) se apresenta como um recurso favorável para isso porque é um espaço de escuta, onde cada um, através da partilha de suas experiências de vida é acolhido no grupo. Busca através dos questionamentos, auxiliar os indivíduos do grupo na reorganização do seu discurso e na resignificação do seu sofrimento através da identificação de suas emoções, restabelecendo e ampliando o poder da palavra.
O papel do terapeuta comunitário, na indicação de Adalberto Barreto (2005), é o de reforçar a dinâmica interna do individuo; suscitar o sentimento de união e identificação com os valores culturais; tornar possível a comunicação entre diferentes formas do “saber popular” e do “saber cientifico”; estimular a participação através do diálogo e da reflexão. Ele ressalta a semelhança com o papel do educador definido na pedagogia de Paulo Freire, onde “...ensinar, é o exercício do diálogo, da troca, da reciprocidade, ou seja, um tempo para falar, para escutar, um tempo para aprender e ensinar”. (FREIRE apud BARRETO, 2005)
A TCI caracteriza-se como uma prática pós-moderna para Grandesso (2004), uma vez que a conversação terapêutica se organiza no interjogo de perguntas e respostas compartilhada entre os participantes e na decisão do tema-problema a ser trabalhado. Nesta, assim como em outras práticas pós-modernas, a competência do terapeuta está em organizar o contexto da conversação e cuidar do acordo proposto pelas regras especificas da TCI colocadas sempre no início de cada sessão, para que a conversação e a escuta se restrinja ao compartilhar das histórias vividas, permitindo dar visibilidade às formas que as pessoas encontraram para transformar seus sofrimentos em aprendizados. A proposta não é a resolver os problemas apresentados, mas formar redes solidárias de fortalecimento da autoestima das pessoas e da comunidade. Os recursos que a abordagem sistêmica fornece á TCI criam mecanismos de conversação que estimulam mudanças no comportamento através da identificação das suas emoções, visto que sua prática implica promover um contexto de acolhimento, reconhecimento das competências, com ênfase na construção de significados, no modelo dialógico e no poder generativo da linguagem (quando a pessoa fala do seu sentimento, ela está organizando o pensamento) possibilitando e ampliando novas narrativas fator importante no auxilio aos alexitímicos.
Aos que sofrem de alexitímia, a TCI possibilita a identificação de suas emoções quando os terapeutas buscam auxiliar o grupo repetindo as palavras, ajudando a nomear suas emoções, através da utilização de algumas técnicas apropriadas como as sugeridas por Fiorelli, Malhadas e Moraes (Fiorelli, Malhadas e Moraes apud Santana, 2004) e adaptadas por nós.

Técnica Procedimento
Reafirmação Repetir com as palavras de quem falou
Parafrasear Repetir com palavras diferentes, sempre empregando termos simples e objetivos
Escuta Ativa Decodificar, com suas palavras, a mensagem para verificar a sua compreensão.
Expansão Repassar a mensagem, elaborando e ampliando para melhor a compreensão
Ordenação Ajudar a ordenar as idéias (tempo, espaço, tamanho, prioridade,etc)
Agrupamento Combinar as idéias
Estruturação Colaborar na organização do pensamento fazendo uma síntese
Fracionar Dividir as idéias em partes
Generalizar Identificar os aspectos gerais
Esclarecer Formular perguntas para clarificar aspectos relacionados com uma idéia
Aprofundar Fazer perguntas para aprofundar a compreensão do problema

Além disso, o terapeuta pode apresentar algumas perguntas básicas para iniciar o movimento de expressão do sentimento como:

Qual é a sua dor?
De onde vem seu sofrimento?
Que nome você daria para isto que acabou de falar?
Como é que você faz para lidar com isto?

A comunicação é um sistema de canais múltiplos em que estão implícitos vários indicadores que podem se diferenciar de uma cultura para outra. Uma boa comunicação e a compreensão de uma mensagem implicam olhar o contexto, saber que as partes não se somam, mas se entrelaçam o tempo todo, desejando ou não, identificar os sinais emitidos ou velados, através de falas, olhares, mímicas, de gestos, do silêncio e inclusive pela atitude de ausência. O terapeuta precisa estar atento porque a comunicação é uma ação conjunta e nós estamos envolvidos na coparticipação. Ao ajudar as pessoas em sofrimento, não são as palavras pronunciadas ou que escutamos no grupo que promoverá a mudança, mas o significado que ela traz para nós.
Finalmente, a terapia comunitária ainda exerce sobre a alexitimia um papel de “imunologia espiritual”, conforme sugere Espinosa, o de opor aos afetos negativos, como a tristeza e o medo, outros positivos como a alegria e a esperança, definidos como forma de paz interior.

BIBLIOGRAFIA

ANDREWS, S. Emoções em moléculas. Revista Superpapo: conversas bacanas com gente interessante. Entrevista por Caco de Paula. Edição de Sérgio Gwerca. Nov. 2004.
BARRETO, A. de P. Terapia Comunitária passo a passo. Gráfica LCR, Fortaleza-CE, 2005
BERTHOLZ, S. Os segredos das emoções. Revista de Psicologia, psicanálise e conhecimento: Viver Mente e Cérebro. Sientific American – ano XIII, nº 143 – Dezembro de 2004.
DAMÁSIO, A. O Erro de Descartes, Companhia das Letras
FIORELLI, J. O.; MALHADAS, M.J.; MORAES, D.L. Psicologia na Mediação: inovando a gestão de conflitos interpessoais e organizacionais. São Paulo: Editora LTR, 2004
GOLEMAN, D. Inteligência Emocional: a teoria revolucionária na mediação: inovando a gestão de conflitos interpessoais e organizacionais. São Paulo. Editora LTR, 2004.
GRANDESSO, M. Terapia Comunitária: uma prática pós-moderna crítica. Trabalho apresentado em mesa redonda no VI Congresso de Terapia Familiar, Florianópolis, SC – julho de 2004.
SANTANA, H. D. Participação, comunicação e facilitação: pilares para uma transformação. Artigo apresentado no site da ABRATECOM – em maio de 2005.