ENSAIO SOBRE O CIÚME
Um homem,
prestes a se mudar de sua cidade natal por causa de um bom emprego, aborta seus
planos em função de uma viagem ao exterior oferecida por seus pais prestimosos.
Um marido zeloso poupa sua esposa de qualquer “tarefa”, tornando-a sua
dependente. Uma esposa sente muita raiva do sucesso do marido. Dois irmãos
vivem em “pé de guerra”, disputando a atenção dos pais. Um namorado vigia
constantemente a namorada e tem sonhos freqüentes de que ela o está traindo. Uma
namorada provoca / estimula o ciúme do namorado numa tentativa de mantê-lo exatamente
por esse sentimento como se isto fosse uma prova de amor. Uma profissional
competente coloca seu cargo numa empresa em risco porque cria confusões e
intrigas entre colegas com medo de que algum deles tome seu cargo. Duas grandes
amigas põem seu relacionamento à prova quando uma delas começa a namorar.
Histórias como
essas são muito comuns e tem como motor principal o ciúme. O ciúme, tido como
algo normal nas relações humanas, é constantemente fator de stress, brigas,
culpabilizações, etc., causando uma má qualidade de vida. Alertamos desde já: o
ciúme deve ser, na medida do possível, tratado!
Uma das obras
de estudo do NAC é o livro de Wimer Bottura, Ciúme: entre o amor e a loucura (2003). O livro de Bottura tem uma
linguagem fácil e traz exemplos muito ricos de como o ciúme se manifesta nas
diferentes esferas da vida afetiva, familiar, profissional. E, principalmente,
alerta-nos para a gravidade do assunto, o ciúme é um elemento pernicioso e
destrutivo que não deve ser aceito como algo natural nas relações humanas.
De acordo com
Bottura, nós temos uma educação e uma cultura baseada no ciúme, por isso, estes
tipos de manifestações são relativamente aceitos como algo de nosso cotidiano,
como demonstração de amor e apreço. Mas isso não é verdade e a atitude mais
coerente é nos perguntarmos os porquês do ciúme para que não mais nos
machuquemos e também não machuquemos as pessoas ao nosso redor. Nas palavras de
Bottura: “Nesses últimos vinte anos, principalmente pela vivência profissional,
pude comprovar que um dos maiores sofrimentos humanos é causado pelo ciúme (2003,
p. 15)”; “O ciúme funciona como um remédio que faz mais mal do que a própria
doença a ser curada” (2003, p.16).
Mas, o que é de
fato o ciúme? Será mesmo que o ciúme é uma manifestação do amor? Nos
dicionários de língua portuguesa, inglesa, alemã e francesa, o ciúme tem como
sinônimos, de forma geral, os termos: inveja, competição, ambição, rivalidade,
zelo, cólera, etc. Segundo Bottura, o ciúme é um sentimento espectro da emoção
medo, que pode se misturar às características da raiva (como diz Adalberto
Barreto “onde tem medo tem raiva e vice-versa”). Pois, se o medo perdura, o
organismo irá associá-lo à raiva e se encarregará da defesa do indivíduo. E se
a raiva não resultar na solução da ameaça, aparecerão comportamentos mais bem
elaborados e aí um castelo de ciúme será construído, bem mais difícil de ser
resolvido e mesmo decodificado.
O ciúme pode
se manifestar nas diversas formas de controle sobre o outro; pode se manifestar
também na tentativa de causar ciúme no outro, como forma de tentar amarrar o
parceiro pelo ciúme. Às vezes, manifesta-se em maridos com comportamentos
alterados em relação à esposa depois do nascimento do primeiro filho. Mesmo em
esposas que não suportam ver o sucesso de seus maridos e vice-versa. Entre mães
e filhas quando ocorre competição entre elas. Entre irmãos que disputam a
atenção dos pais, tornando-se pessoas possessivas e dependentes.
Mas o ciúme pode
também estar disfarçado de “boas intenções”, que,
na verdade, geram dependência e culpa nos envolvidos e escondem um medo
terrível do abandono. Por exemplo, muitas vezes, por trás das atitudes de um
marido super prestativo, bem intencionado, que advinha todos os desejos da
esposa, há um homem que teme a independência da mulher. Muitas vezes, a mãe
devotada e superprotetora pode usar suas boas intenções para manipular seus
filhos.
Assim, por
mais prejudicial que seja, o ciúme aparece em nossas relações cotidianas e
muitas vezes o aceitamos como algo próprio da natureza humana. Mas, Wimer
Bottura alerta, as manifestações de ciúme em pessoas adultas raramente são
normais: “Quando comecei a pesquisar sobre o tema, acreditava na existência de
um ciúme normal, e no meu primeiro livro – Filhos Saudáveis – cheguei a falar
de certa naturalidade deste sentimento. Hoje, no entanto, diante de um
conhecimento mais amplo a respeito do assunto e de sua gravidade, sou forçado a
admitir que raramente as manifestações de ciúme são normais nas pessoas
adultas”. (2003, p.32).
Claro que, em
crianças, o assunto muda um pouco de foco. Por exemplo, um bebê recém-nascido
desconhece a realidade objetiva e é desprovido de intencionalidades,
principalmente de se voltar contra alguém. Ele pensa apenas em assegurar sua
sobrevivência. A mesma coisa pode acontecer em relação ao ciúme entre irmãos.
Dependendo da diferença de idade entre eles, não podemos considerar o ciúme do
mais velho como algo doentio, pois ele ainda não dispõe de recursos cognitivos
para a diferenciação das atitudes do irmão mais novo.
No entanto,
quando o irmão mais velho apresenta uma diferença de idade significativa em
relação ao mais novo ou já apresenta uma personalidade estruturada (por volta
dos oito anos), a existência do ciúme poderá evidenciar alguma alteração na
estrutura familiar. E, nesse caso, são os adultos que sinalizam de forma
errônea a realidade ou seus próprios sentimentos – às vezes, demonstrando de
fato a preferência pelo filho mais novo.
De acordo com
Bottura, o ciúme, a não ser na criança, tem muita possibilidade de ser uma
manifestação de doença. Às vezes, pode não ser a própria doença, mas
provavelmente será um sintoma.
O que é normal
é o medo da perda perante a possibilidade de uma perda afetiva. Lógico que as
pessoas se sentem inseguras com as perdas e demonstrem seu medo por isso. O
problema começa quando a expressão desse medo não é valorizada pelo outro.
A falta de
respostas, apoio ou esclarecimentos de dúvidas num relacionamento contribuem
para que se alimentem sentimentos destrutivos, como rivalidade, inveja,
competição, rancor, vingança, etc. Se uma pessoa, por algum motivo, demonstra o
medo de ser excluída da vida de alguém e não encontra compreensão ou amparo em
relação ao que está sentindo, num momento posterior, sem respostas, ela passará
a agir com um comportamento típico de ciumento, perdendo toda sua
espontaneidade.
O ciumento age conforme sua própria
insegurança e começa a desconfiar, manipular, jogar uns contra outros, reprimir
o comportamento do outro, fazer ameaças e assim por diante. E é por isso que
tais comportamentos, fundamentados no ciúme, não devem ser aceitos como
normais: “Podemos dizer que o ciúme é freqüente, porém não é normal!” (BOTTURA,
2003, p.33).
A anormalidade
é determinada, muitas vezes, pela falta de estímulos objetivos para isso. Ou
seja, da relação pais e filhos até a relação entre irmãos, casais e amigos,
observamos que o ciumento parte de distorções de interpretação da realidade
para fortalecer e justificar seu raciocínio e dar continuidade as suas atitudes
de ciúme.
A pessoa
enciumada acredita que é proprietária do outro; crê que o outro tem a obrigação
de incluí-la e todas as situações de sua vida, mesmo porque pensa que, na
primeira oportunidade, será excluída dessa relação.
O ciumento
distorce tanto a realidade, confia tanto em suas fantasias, que termina por
criar uma série de comportamentos que comprovem diariamente, para ele mesmo,
que está sendo jogado para fora de um relacionamento.
De forma
nenhuma, queremos condenar a pessoa que sente ciúme, mas alertá-la para os
possíveis boicotes que faz em sua própria vida; alertá-la para a importância de
olhar para esse ciúme procurando suas origens e possíveis soluções. Nesse
sentido, alertamos para a importância do autoconhecimento e consequentemente do
autocuidado, que podem ocorrer de diversas formas (terapias, relaxamentos,
conversas sinceras com as pessoas envolvidas, etc). Quando convivemos com as
pessoas, é nossa responsabilidade termos, na medida do possível, noção das
consequências de nossas atitudes.
E você, já
sofreu com o ciúme de alguém? Sofre por ter ciúme de alguém? Como você lida ou
lidou com a situação?