A arte de se cuidar

Quem sou eu? Do que sou capaz? Você já se fez estas perguntas? Se sim, então seja bem vindo ao nosso blog...aqui vamos trocar ideias de autoconceito, de amor próprio e encontrar formas de enfrentar o sofrimento cotidiano...fique à vontade!

A MISSÃO do NAC

A Missão do NAC é:
Desenvolver assessoria, reflexões, oficinas e projetos de cuidado e de formação que promova a integração de pessoas, empresas e comunidades no regaste da missão, dignidade e da cidadania, contribuindo para diminuição da exclusão.





nucleodeaprimoramentoecuidado@gmail.com





quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

A Família , por Mari Elaine Leonel Teixeira

Parte do artigo: "UMA PROPOSTA DE PROTOCOLO DE ATENDIMENTO PARA ACOLHER FAMÍLIAS DE CRIANÇAS COM DIFICULDADES ESCOLARES INSCRITAS NO CENPE" - Revista Doxa Vol 16 - 2012

A família é um tipo especial de sistema, segundo Minuchin, Colapinto e Minuchin (1999), com uma estrutura - conjunto de regras invisíveis que interagem na família -, com padrões de funcionamento, ou seja, formas de interações que a família repete implicando regras implícitas ou não que organizam a estabilidade e a mudança (regulando e/ou autorizando seus membros a se relacionarem: como, quando e com quem).
A inter-relação familiar mostra-se intensamente importante, pois não se trata de um modo de funcionar isolado. Trata-se um conjunto de mecanismos do sistema familiar que pode gerar repetições, pois trazemos inscrições de influências da família de origem (pai e mãe), antepassados (avós, tios, primos) e isso supõe certa continuidade histórica que carrega em si crenças, tradições, comportamentos, cultura, etc.
A família tem passado, ao longo dos tempos, por transformações decorrentes das mudanças sociais. Na pós-modernidade há diversificada constituição familiar, formada apenas por filhos, por mãe e filhos, pai e filhos, união estável de mulheres, união estável de homens, por interesses comuns, dentre outros.
O conceito ideal de família, segundo o ECA (BRASIL, 2004) – Estatuto da Criança e Adolescente -, está relacionado muito mais com a função que ela exerce do que com sua estrutura ideal. O propósito da família é o de suprir as necessidades primárias “[...] à sobrevivência de seus membros, ou seja, segurança, alimentação e um lar - ao desenvolvimento – afetivo, cognitivo e social – e ao sentimento de ser aceito, cuidado e amado.” (MACEDO, 1994, p.64).
A família pode ser considerada o sistema que influencia o desenvolvimento dos seus membros e que opera por meio de padrões transacionais. Ligados uns aos outros como unidades emocionais, o funcionamento de cada um afeta automaticamente o dos demais (MINUCHIN; COLAPINTO; MINUCHIN, 1999).
 O sistema familiar, a fim de desempenhar as diversas funções, diferencia-se por meio dos subsistemas, os quais podem se formar por geração, sexo, interesse ou por função, como: esposo-esposa, mãe-filho, filhos-filhos. Os subsistemas se organizam com diferentes níveis de relações e hierarquias orquestrados pelas fronteiras. As fronteiras são regras que protegem e definem quem participa e como participa do sistema, sendo classificadas como: rígida ou desligada, nítida ou clara e difusa ou emaranhada (MINUCHIN, 1990).
Para Macedo (2001), a função das fronteiras é a de permitir que seus membros se desenvolvam. Quando as fronteiras são rígidas, trata-se de uma família desligada com uma comunicação pobre e autoritária. Quando se trata de fronteiras emaranhadas, reproduz uma família aglutinada com pouca diferenciação, com uma comunicação muito intensa, o que dificulta a autonomia de seus membros, instalando, desse modo, os conflitos.
Esses conflitos apresentados pela família, chamados de sintomas, não são considerados, na abordagem sistêmica, propriedades de um indivíduo. Os sintomas são contextualizados e entendidos como produto ativo da sua rede relacional de pertencimento desde o biológico, emocional, cultural. São vistos como recurso que possibilita a solução das crises, em que a família, caso busque ajuda, tem a oportunidade de resignificá-los e transformar suas relações de modo a torná-las saudáveis.
Quando os conflitos do casal se cronificam, apresentando dificuldades em suas negociações, evidenciadas pelo estresse, e os pais utilizam um dos filhos como recurso para desviar ou afastar a tensão, Minuchin (1990), chama de tríade ou triângulos.  Para esse autor, os triângulos são a base de todo sistema emocional. Quando a tensão aumenta uma maior quantidade de pessoas interagem formando circuitos emocionais triangulares interdependentes, aumentando os aspectos fusionais que lhes permitem aliviar os problemas de seu próprio subsistema.
O que vai permitir o desenvolvimento da diferenciação do sistema familiar é a mutualidade, que Minuchin; Calapinto e Minuchin (1999), entendem ser a qualidade que os indivíduos têm positivamente e valorizada sobre si, que desenvolve o reconhecimento mútuo dessas qualidades no outro, habilidades indispensáveis na relação humana. São os subsistemas com fronteiras nítidas que definem os caminhos que a família utiliza para tomar decisões, manter o controle, harmonizar, diferenciar-se ou instalar o conflito.
O conceito de diferenciação de Kerr e Bowen (1998), ocupa lugar central na terapia familiar. Diferenciação é a capacidade de funcionar de forma autônoma, de manifestar a flexibilidade relacional da melhor forma possível, de tolerar a angústia e passar o mais desembaraçadamente possível pelas provas e tensões inevitáveis. A pessoa mais diferenciada é aquela com discernimento mais funcional, capaz de separar o que é seu e o que é do outro. Para que o desenvolvimento familiar funcional ocorra, é necessário preencher algumas condições, tais como: membros da família relativamente diferenciados, níveis reduzidos de ansiedade e bons contatos emocionais entre os pais e as famílias de origem.
O padrão de relacionamento da família e o modo de aprender de cada indivíduo são construídos ao longo de sua convivência, formando esquemas que vão predominar na organização do sujeito e influenciá-lo na leitura de mundo, ou seja, a história, os mitos, as lealdades, os mandatos e os temas da família vão interagir no ciclo vital desse sistema e determinar padrões de funcionamento que dão origem ao que Fernandez (1990, p.116), entende por “ Modalidade de aprendizagem”.
Para essa autora, a aprendizagem é uma articulação entre emoção e cognição constituídas no âmbito familiar. O modo como se autoriza as diferenças, como legitima as escolhas e ainda como favorece um ou outro mecanismo de aprendizagem aponta para alguns questionamentos: Como cada família lida com o novo? Como lida com o segredo? Como se comunicam com o conhecido ou desconhecido? Valoriza as perguntas? Dá espaço para o pensar? Aceita as divergências? Estimula a curiosidade?
Nisso consiste a Modalidade de Aprendizagem, que seria a maneira pela qual cada grupo familiar se aproxima (ou se afasta) do saber. Segundo a mesma autora, essa modalidade seria passada de pai para filho, determinando assim, como as gerações mais novas vão se relacionar com o conhecimento. “A modalidade opera como uma matriz que está em permanente reconstrução e sobre a qual vão se incluindo as novas aprendizagens.”, (FERNANDEZ, 1990, p.116).
 As funções parentais, como acolher, transformar e significar as comunicações emocionais de limites e senso de realidade são movimentos relacionais básicos que imprimem o sentido do pertencimento e da diferenciação. As bases emocionais seguras, propiciadas pela família, constroem o pertencimento tão indispensável para um equilíbrio no desenvolvimento da criança e do próprio relacionamento familiar. Mas aprender supõe também poder diferenciar-se do grupo de origem e construir suas próprias experiências. E para isso o sujeito precisa ser autorizado pelos pais/família. No equilíbrio entre o pertencer e o diferenciar-se é que a criança pode encontrar seu espaço para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social (MATURANA, 2001).
As mudanças sociais ocorridas na contemporaneidade implicaram transformações nas estruturas econômicas, sociais e culturais com maiores exigências nas habilidades produtivas. Essas mudanças também se refletiram nas famílias. A mulher passou a ter maior participação no mercado de trabalho, delegando parte dos seus papéis ao sistema escolar, o que aumenta, consequentemente, as expectativas em relação ao desempenho escolar dos filhos. Assim, quando uma criança apresenta alguma dificuldade na aprendizagem escolar, gera na família grande ansiedade em relação ao seu futuro.
No que se refere à conceituação do termo “dificuldades de aprendizagem”, a revisão bibliográfica demonstrou não haver um consenso. Algumas definições encontradas apontam que a origem do sintoma da aprendizagem pode estar ligada à origem cognitiva, neste caso seria uma dificuldade, segundo a Polity (2001).  No Distúrbio, a origem pode ser de causa neurológica ou genética. Quando se tratar de um Problema de Aprendizagem a origem pode ser emocional, implicando o processo de construção do conhecimento que ocorre na interação do individuo com seu meio, seja na família, na escola e na sociedade.  De acordo com Rolfsen e Martinez, Dificuldade de aprendizagem é a divergência no processo de aprendizagem entre o que a criança é capaz de aprender potencialmente e o que ela efetivamente realiza em sala de aula (ROLFSEN; MARTINEZ, 2008).
A equipe de profissionais do CENPE reconhece a complexidade do trabalho com crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem escolar e busca aprofundar sua pesquisa nas áreas do conhecimento que contribuem para a compreensão dos fatores que levam às dificuldades de aprendizagem tais como: neurologia, terapia da família, psicanálise. Neste trabalho, utilizaremos o termo dificuldade de aprendizagem escolar para as crianças que procuram o nosso atendimento, pois acreditamos não ser possível diferenciar se a criança apresenta uma dificuldade ou um distúrbio de aprendizagem antes de uma avaliação. Assim, compartilhamos a visão de Capellini et al. (2008 p.96), quando diz que “[...] há um grande número de crianças que apresentam dificuldades para aprender e isto não necessariamente pode significar um sinal da existência de um transtorno de aprendizagem específico ou o distúrbio de aprendizagem.”
Quando as expectativas das famílias em relação à aprendizagem dos filhos não são correspondidas, os pais têm dificuldade de entender como uma criança que se mostra esperta, inteligente e ativa possa apresentar dificuldades na escola. Em nossa prática empírica, constatamos que as dificuldades das crianças em relação à aprendizagem trazem à família muita insegurança, além de propiciar conflitos nas interações dos pais ora com a escola, ora com o filho, acusando as crianças, inclusive, de preguiçosas, como se elas agissem de má vontade. Tal situação pode gerar, também, desarmonia entre o casal que culpa um ao outro, havendo, em geral, divergência no modo de auxiliar seus filhos, o que provoca sofrimento e ansiedade na família.
Macedo (2008, p.198), chama a atenção para que os profissionais que lidam com essas questões, fiquem atentos para o fato de que:

apontar tais dificuldades requer habilidade que nem a criança nem a família sejam vistas como culpadas pelos mesmos [...] o problema tem que ser visto em termos mais globais: que condições levaram a situação a adquirir as características que apresenta no momento.

Essa visão nos ajuda a questionar a necessidade de dividir com a rede social o peso pela carga da responsabilidade de educar que é cobrado dos pais, tornado um fardo muito pesado. Observa-se nas considerações de Santos e Macedo (2008, p.178) que para os pais “[...] não é mais possível agir no autoritarismo e simplesmente usar a própria experiência acumulada.” O autor acrescenta ainda “[...] o quanto é preciso usar a experiência como capacidade de enfrentamento para saber o que fazer no aqui e agora da relação educativa [...]”; haja vista que os filhos, na contemporaneidade, têm, diante dos avanços tecnológicos e a internet, um saber que confronta o saber dos pais, exigindo um exercício maior desses nas práticas educativas na família.
Nesta mesma perspectiva, verificamos que o professor, na instituição escolar, tem sido, segundo Escobar e Pimentel (2008, p.325), “[...] ora enaltecido como a maior vítima do processo de escolarização, ora culpabilizado pelos fracassos, especialmente entre crianças e jovens pertencentes às camadas de maior vulnerabilidade social.”
Concordamos com Rabelo (2008, p.312), quando diz que “[...] vivemos um momento em que as instituições como as famílias se deterioram e se desestruturam com muita facilidade.” face às exigências de sucesso escolar, especialmente como garantia de sustentabilidade e ascensão social.
Acreditamos que a visão sistêmica nos ajuda a criar espaços mais eficazes e respeitosos dos valores da família, ampliando nosso olhar para os acontecimentos que se apresentam, uma vez que tem seu foco no contexto das interações, no processo em que essas interações se desencadeiam e na relação dos sujeitos, auxiliando os profissionais a intervir junto às famílias, contribuindo para suas mudanças no modo de funcionar. 
Ainda abre espaços para que a família possa pensar e refletir sobre suas experiências, sentimentos, condições e escolhas, o que fortalece os laços afetivos e auxiliam no aprendizado, além de possibilitar o desenvolvimento da habilidade do dialogo para que as negociações, a busca de acordos e consensos transcorram com o menor nível de conflito possível e garantam relações mais amorosa e saudáveis, ajudando assim, as crianças? a saírem da condição de autoestima rebaixada que muitas vezes nos apresentam.

Revista Brasileira de Psicologia e Educação - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras de AraraqUara - Vol 16 - 2012.