A Família , por Mari Elaine Leonel Teixeira
Parte do artigo: "UMA PROPOSTA DE PROTOCOLO DE ATENDIMENTO PARA ACOLHER FAMÍLIAS DE CRIANÇAS COM DIFICULDADES ESCOLARES INSCRITAS NO CENPE" - Revista Doxa Vol 16 - 2012
Parte do artigo: "UMA PROPOSTA DE PROTOCOLO DE ATENDIMENTO PARA ACOLHER FAMÍLIAS DE CRIANÇAS COM DIFICULDADES ESCOLARES INSCRITAS NO CENPE" - Revista Doxa Vol 16 - 2012
A família é um tipo
especial de sistema, segundo Minuchin, Colapinto e Minuchin (1999), com uma estrutura -
conjunto de regras invisíveis que interagem na família -, com padrões de
funcionamento, ou seja, formas de interações que a família repete implicando
regras implícitas ou não que organizam a estabilidade e a mudança (regulando
e/ou autorizando seus membros a se relacionarem: como, quando e com quem).
A inter-relação familiar mostra-se intensamente importante, pois não se
trata de um modo de funcionar isolado. Trata-se um conjunto de mecanismos do
sistema familiar que pode gerar repetições, pois trazemos inscrições de
influências da família de origem (pai e mãe), antepassados (avós, tios, primos)
e isso supõe certa continuidade histórica que carrega em si crenças, tradições,
comportamentos, cultura, etc.
A família tem passado, ao longo dos tempos, por transformações
decorrentes das mudanças sociais. Na pós-modernidade há diversificada
constituição familiar, formada apenas por filhos, por mãe e filhos, pai e
filhos, união estável de mulheres, união estável de homens, por interesses
comuns, dentre outros.
O conceito ideal de família, segundo o ECA (BRASIL, 2004) – Estatuto da
Criança e Adolescente -, está relacionado muito mais com a função que ela
exerce do que com sua estrutura ideal. O propósito da família é o de suprir as
necessidades primárias “[...] à sobrevivência de seus membros, ou seja,
segurança, alimentação e um lar - ao desenvolvimento – afetivo, cognitivo e
social – e ao sentimento de ser aceito, cuidado e amado.” (MACEDO, 1994, p.64).
A família pode ser considerada o sistema que influencia o desenvolvimento
dos seus membros e que opera por meio de padrões transacionais. Ligados uns aos
outros como unidades emocionais, o funcionamento de cada um afeta
automaticamente o dos demais
(MINUCHIN; COLAPINTO; MINUCHIN, 1999).
O sistema familiar, a fim de
desempenhar as diversas funções, diferencia-se por meio dos subsistemas, os
quais podem se formar por geração, sexo, interesse ou por função, como:
esposo-esposa, mãe-filho, filhos-filhos. Os subsistemas se organizam com
diferentes níveis de relações e hierarquias orquestrados pelas fronteiras. As
fronteiras são regras que protegem e definem quem participa e como participa do
sistema, sendo classificadas como: rígida ou desligada, nítida ou clara e
difusa ou emaranhada (MINUCHIN,
1990).
Para Macedo (2001), a função das fronteiras
é a de permitir que seus membros se desenvolvam. Quando as fronteiras são
rígidas, trata-se de uma família desligada com uma comunicação pobre e
autoritária. Quando se trata de fronteiras emaranhadas, reproduz uma família
aglutinada com pouca diferenciação, com uma comunicação muito intensa, o que
dificulta a autonomia de seus membros, instalando, desse modo, os conflitos.
Esses conflitos
apresentados pela família, chamados de sintomas, não são considerados, na
abordagem sistêmica, propriedades de um indivíduo. Os sintomas são
contextualizados e entendidos como produto ativo da sua rede relacional de
pertencimento desde o biológico, emocional, cultural. São vistos como recurso
que possibilita a solução das crises, em que a família, caso busque ajuda, tem
a oportunidade de resignificá-los e transformar suas relações de modo a
torná-las saudáveis.
Quando os conflitos do casal
se cronificam, apresentando dificuldades em suas negociações, evidenciadas pelo
estresse, e os pais utilizam um dos filhos como recurso para desviar ou afastar
a tensão, Minuchin (1990), chama de tríade
ou triângulos. Para esse autor, os
triângulos são a base de todo sistema emocional. Quando a tensão aumenta uma
maior quantidade de pessoas interagem formando circuitos emocionais
triangulares interdependentes, aumentando os aspectos fusionais que lhes
permitem aliviar os problemas de seu próprio subsistema.
O que vai permitir o desenvolvimento da
diferenciação do sistema familiar é a mutualidade, que Minuchin; Calapinto e
Minuchin (1999), entendem
ser a qualidade que os indivíduos têm positivamente e valorizada sobre si, que
desenvolve o reconhecimento mútuo dessas qualidades no outro, habilidades
indispensáveis na relação humana. São os subsistemas com fronteiras nítidas que
definem os caminhos que a família utiliza para tomar decisões, manter o
controle, harmonizar, diferenciar-se ou instalar o conflito.
O conceito de diferenciação de Kerr e Bowen (1998), ocupa lugar central na
terapia familiar. Diferenciação é a capacidade de funcionar de forma autônoma,
de manifestar a flexibilidade relacional da melhor forma possível, de tolerar a
angústia e passar o mais desembaraçadamente possível pelas provas e tensões
inevitáveis. A pessoa mais diferenciada é aquela com discernimento mais
funcional, capaz de separar o que é seu e o que é do outro. Para que o
desenvolvimento familiar funcional ocorra, é necessário preencher algumas
condições, tais como: membros da família relativamente diferenciados, níveis
reduzidos de ansiedade e bons contatos emocionais entre os pais e as famílias
de origem.
O padrão de
relacionamento da família e o modo de aprender de cada indivíduo são
construídos ao longo de sua convivência, formando esquemas que vão predominar
na organização do sujeito e influenciá-lo na leitura de mundo, ou seja, a
história, os mitos, as lealdades, os mandatos e os temas da família vão
interagir no ciclo vital desse sistema e determinar padrões de
funcionamento que dão origem ao que Fernandez (1990, p.116), entende por “ Modalidade de
aprendizagem”.
Para essa
autora, a aprendizagem é uma articulação entre emoção e cognição constituídas
no âmbito familiar. O modo como se autoriza as diferenças, como legitima as
escolhas e ainda como favorece um ou outro mecanismo de aprendizagem aponta
para alguns questionamentos: Como cada família lida com o novo? Como lida com o
segredo? Como se comunicam com o conhecido ou desconhecido? Valoriza as
perguntas? Dá espaço para o pensar? Aceita as divergências? Estimula a
curiosidade?
Nisso consiste a
Modalidade de Aprendizagem, que seria a maneira pela qual cada grupo familiar
se aproxima (ou se afasta) do saber. Segundo a mesma autora, essa modalidade
seria passada de pai para filho, determinando assim, como as gerações mais
novas vão se relacionar com o conhecimento. “A modalidade opera como uma matriz que está em permanente reconstrução
e sobre a qual vão se incluindo as novas aprendizagens.”, (FERNANDEZ, 1990, p.116).
As funções parentais, como acolher,
transformar e significar as comunicações emocionais de limites e senso de
realidade são movimentos relacionais básicos que imprimem o sentido do
pertencimento e da diferenciação. As bases emocionais seguras, propiciadas pela
família, constroem o pertencimento tão indispensável para um equilíbrio no
desenvolvimento da criança e do próprio
relacionamento familiar. Mas aprender supõe também poder diferenciar-se
do grupo de origem e construir suas próprias experiências. E para isso o
sujeito precisa ser autorizado pelos pais/família. No equilíbrio entre o
pertencer e o diferenciar-se é que a criança pode encontrar seu espaço para o
desenvolvimento cognitivo, emocional e social (MATURANA, 2001).
As mudanças
sociais ocorridas na contemporaneidade implicaram transformações nas estruturas
econômicas, sociais e culturais com maiores exigências nas habilidades
produtivas. Essas mudanças também se refletiram nas famílias. A mulher passou a
ter maior participação no mercado de trabalho, delegando parte dos seus papéis
ao sistema escolar, o que aumenta, consequentemente, as expectativas em relação
ao desempenho escolar dos filhos. Assim, quando uma criança apresenta
alguma dificuldade na aprendizagem escolar, gera na família grande ansiedade em
relação ao seu futuro.
No que se refere
à conceituação do termo “dificuldades de aprendizagem”, a revisão bibliográfica
demonstrou não haver um consenso. Algumas definições encontradas apontam
que a origem do sintoma da aprendizagem pode estar ligada à origem cognitiva,
neste caso seria uma dificuldade, segundo a Polity (2001). No Distúrbio, a
origem pode ser de causa neurológica ou genética. Quando se tratar de um
Problema de Aprendizagem
a origem pode ser emocional, implicando
o processo de construção do conhecimento que ocorre na interação do individuo
com seu meio, seja na família, na escola e na sociedade. De acordo com Rolfsen e Martinez, Dificuldade
de aprendizagem é a divergência no processo de aprendizagem entre o que a
criança é capaz de aprender potencialmente e o que ela efetivamente realiza em
sala de aula (ROLFSEN; MARTINEZ, 2008).
A equipe de profissionais
do CENPE reconhece a complexidade do trabalho com crianças que apresentam
dificuldades de aprendizagem escolar e busca aprofundar sua pesquisa nas áreas
do conhecimento que contribuem para a compreensão dos fatores que levam às
dificuldades de aprendizagem tais como: neurologia, terapia da família,
psicanálise. Neste trabalho, utilizaremos o termo dificuldade de aprendizagem
escolar para as crianças que procuram o nosso atendimento, pois acreditamos não
ser possível diferenciar se a criança apresenta uma dificuldade ou um distúrbio
de aprendizagem antes de uma avaliação. Assim, compartilhamos a visão de
Capellini et al. (2008 p.96), quando
diz que “[...] há um grande número de crianças que apresentam dificuldades para
aprender e isto não necessariamente pode significar um sinal da existência de
um transtorno de aprendizagem específico ou o distúrbio de aprendizagem.”
Quando as
expectativas das famílias em relação à aprendizagem dos filhos não são correspondidas,
os pais têm dificuldade de entender como uma criança que se mostra esperta,
inteligente e ativa possa apresentar dificuldades na escola. Em nossa prática
empírica, constatamos que as dificuldades das crianças em relação à
aprendizagem trazem à família muita insegurança, além de propiciar conflitos
nas interações dos pais ora com a escola, ora com o filho, acusando as
crianças, inclusive, de preguiçosas, como se elas agissem de má vontade. Tal
situação pode gerar, também, desarmonia entre o
casal que culpa um ao outro, havendo, em geral, divergência no modo de auxiliar
seus filhos, o que provoca sofrimento e ansiedade na família.
Macedo (2008, p.198), chama a atenção para que os
profissionais que lidam com essas questões, fiquem
atentos para o fato de que:
apontar tais
dificuldades requer habilidade que nem a criança nem a família sejam vistas
como culpadas pelos mesmos [...] o problema tem que ser visto em termos mais
globais: que condições levaram a situação a adquirir as características que
apresenta no momento.
Essa visão nos ajuda a
questionar a necessidade de dividir com a rede social o peso pela carga da
responsabilidade de educar que é cobrado dos pais, tornado um fardo muito
pesado. Observa-se nas considerações de Santos e Macedo (2008, p.178) que para
os pais “[...] não é mais possível agir no autoritarismo e simplesmente usar a
própria experiência acumulada.” O autor acrescenta ainda “[...] o quanto é
preciso usar a experiência como capacidade de enfrentamento para saber o que
fazer no aqui e agora da relação educativa [...]”; haja vista que os filhos, na
contemporaneidade, têm, diante dos avanços tecnológicos e a internet, um saber
que confronta o saber dos pais, exigindo um exercício maior desses nas práticas
educativas na família.
Nesta mesma
perspectiva, verificamos que o professor, na instituição escolar, tem sido,
segundo Escobar e Pimentel (2008, p.325), “[...] ora enaltecido como a maior
vítima do processo de escolarização, ora culpabilizado pelos fracassos,
especialmente entre crianças e jovens pertencentes às camadas de maior
vulnerabilidade social.”
Concordamos com
Rabelo (2008, p.312), quando diz que “[...] vivemos um momento em que as
instituições como as famílias se deterioram e se desestruturam com muita
facilidade.” face às exigências de sucesso escolar, especialmente como garantia
de sustentabilidade e ascensão social.
Acreditamos que
a visão sistêmica nos ajuda a criar espaços mais eficazes e respeitosos dos
valores da família, ampliando nosso olhar para os acontecimentos que se
apresentam, uma vez que tem seu foco no contexto das interações, no processo em
que essas interações se desencadeiam e na relação dos sujeitos, auxiliando os
profissionais a intervir junto às famílias, contribuindo para suas mudanças no
modo de funcionar.
Ainda abre
espaços para que a família possa pensar e refletir sobre suas experiências,
sentimentos, condições e escolhas, o que fortalece os laços afetivos e auxiliam no aprendizado, além de possibilitar o
desenvolvimento da habilidade do dialogo para que as negociações, a busca de
acordos e consensos transcorram com o menor nível de conflito possível e
garantam relações mais amorosa e saudáveis, ajudando assim, as crianças? a
saírem da condição de autoestima rebaixada que muitas vezes nos apresentam.
Revista Brasileira de Psicologia e Educação - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras de AraraqUara - Vol 16 - 2012.